Treinamento: A realidade do destreinamento
Por: Prof. Luiz Carlos de Moraes
É triste mas é verdade. Leva-se meses e até anos para se adquirir determinada performance e para perder bastam de 2 a 4 semanas. Esta é a conclusão de vários estudos com relação a destreinamento, um termo conhecido em Fisiologia relacionado à perda de condicionamento nos atletas de endurance tais como corredores fundistas, ciclistas de estrada, nadadores, triatletas entre outros esportistas. A queda do VO² Máx. segundo esses estudos, está associado, entre outros fatores, à redução do débito cardíaco. As câmaras cardíacas, deixando de receber os estímulos reduzem rapidamente o poder de contração e conseqüentemente o volume sistólico, fato facilmente percebido pela Freqüência Cardíaca de repouso aumentada logo na primeira semana de suspensão das atividades. Segundo Coyle 1994, os sistemas corporais regridem na mesma proporção da diminuição do estímulo. Ou seja, se a parada é repentina como nas lesões, a regressão é rápida. Convertino 1997, citado por Fabiana Evangelista e Patrícia Brum na Revista paulista de Educação Física mostrou que o débito cardíaco máximo sofreu uma redução de 26% após 21 dias de destreinamento. Em outro estudo realizado pelo mesmo pesquisador, a redução do débito cardíaco e volume sistólico foram de 23% em apenas 10 dias. Isso demonstra claramente que a queda é vertiginosa nos primeiros dias. Depois, a curva de perda é mais lenta. Menos mal. Afastamentos de 21 a 84 dias, a perda não é total e o retorno às atividades não partem do zero, além disso, a evolução costuma ser mais rápida.
Os efeitos de redução não se restringem ao sistema cardiovascular, mas também à massa muscular incluindo o miocárdio. Ehsani, Hagberg & Hickson 1978, estudando corredores de elite numa parada de três semanas, através de ecocardiografia comprovaram uma diminuição da capacidade diastólica do ventrículo esquerdo de 51 para 46,3 mm assim como a espessura da parede do miocárdio de 10,7 para 8 mm. Fatores que sabidamente interferem no volume de sangue bombeado a cada batimento cardíaco. Da mesma forma a capacidade dos músculos esqueléticos levar e consumir oxigênio, (diferença artério-venosa) também diminui significativamente. A rede capilar perde facilmente a sua elasticidade dificultando o fluxo do sangue. Quanto maior a performance com relação ao VO² Máx. mais rápida e maior é a perda. Ou seja, atletas de elite têm mais para perder do que as pessoas comuns.
Estamos vendo que o afastamento temporário, seja por uma lesão, férias ou mesmo transição de temporada competitiva, pode causar perdas importantes. O conhecimento real dessa reação, fornece dados para melhor prescrição de programas de exercícios no retorno ao pico de performance. Um dos grandes problemas de quem volta a treinar depois de um período parado, é justamente achar que não perdeu nada, tentando voltar com a mesma carga e ou intensidade, que estavam no momento da interrupção, podendo até sofrer uma nova lesão.
O destreinamento é percebido não só no atleta de endurance, mas também aos adeptos à musculação. Isso reforça a importância da prescrição lenta gradual e progressiva seguindo os chamados princípios da Educação Física. O da continuidade diz respeito à freqüência semanal escolhida seja 3, 4 ou 5 vezes. Alguns alunos, logo ao se matricularem numa academia querem “entrar de sola” malhando todo dia. Começam a ver que não dá certo e ora, numa semana vão três vezes, ora duas, ora nenhuma. Resultado. Não chegam a lugar nenhum. O mesmo acontece com o corredor iniciante. Ora quer correr todo dia, ora dia nenhum. É importante estabelecer uma rotina com intervalos regulares.
Existe ainda uma outra forma associada a destreinamento. É o corredor que faz sempre o mesmo treinamento, mesmo percurso, mesma velocidade… mesmo tudo. Resultado. Os grupos musculares ativos, recebendo sempre o mesmo estímulo passam a recrutar menos unidades motoras para o mesmo trabalho podendo levar a uma contusão. É preciso estar variando.
O destreinamento também pode ter a sua aplicação proposital e muito pouco usual, pelo menos aqui no Brasil. É o caso de atletas que atingem o auge de suas carreiras e se aposentam abandonados à própria sorte. A aposentaria do atleta deveria ser prevista num programa de exercícios lento, gradual e regressivo partindo da carga a que estava acostumado a fazer para uma intensidade moderada visando qualidade de vida. Não deixa de ser um destreinamento, só que, com um objetivo definido.
Bom, vimos que a performance adquirida à custa de muito suor determinação e por longo período pode ser perdida quase que, num passe de mágica em duas semanas. Tudo isso reforça a necessidade da prescrição e acompanhamento profissional. Parar repentinamente pode trazer grandes prejuízos para o corpo, para a mente e para a sociedade.